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sábado, 13 de junho de 2015

Esportes : COMO JOSEPH BLATTER CONQUISTOU APOIO EM TROCA DE AGRADOS

Dirigente manteve alianças com 'rincões esquecidos' do futebol


As Ilhas Cayman têm uma das piores seleções do mundo, o futebol
não é o principal esporte do país e sua população inteira caberia
dentro do Maracanã. Ainda assim, desde 2008, a Fifa enviou para
a ilha quase US$ 2 milhões para a construção de dois campos de
futebol. Em março de 2014, mais US$ 500 mil foram destinados ao
país, com a promessa de que o dinheiro seria usado para a
construção de gramas artificiais. Sete anos depois, nem os campos
nem o gramado existem.
Nos rincões mais esquecidos do planeta, nos locais menos
tradicionais para o futebol e nas cidades mais marginais dos
centros de poder, a Fifa está presente. Nos últimos 20 anos,
Joseph Blatter construiu sua base de poder proliferando campos
de futebol. Mas, junto com eles, vieram agrados, dinheiro e
subornos a cartolas que passaram a ser aliados incondicionais. Na
prática, era um sistema que o garantia votos e cinco vitórias
seguidas em eleições. Em troca, Blatter não perguntava muito qual
era o destino do dinheiro para 'o desenvolvimento do futebol'.
Ao total, a Fifa já gastou mais de US$ 284 milhões na construção
de 668 campos de futebol pelo mundo. Cada um deles, em média,
custa US$ 565 mil, um investimentos que traz um retorno
esportivo medíocre. Mas uma aliança política sólida.
No centro do escândalo está o projeto Goal, destinado a levar o
futebol a locais pobres, com a construção de centros de
treinamento, campos e infraestrutura. Mas a realidade é que,
segundo auditores e mesmo dirigentes, o dinheiro em muitos casos
jamais chegou aos jogadores.
Em cada um desses locais, placas em homenagem a Blatter, bustos
e fotos marcam a homenagem que o país­sede faz ao cartola suíço
Mas os escândalos sobre o uso desse dinheiro do futebol se
proliferaram na mesma velocidade que sua imagem pelo mundo.
Auditorias revelaram que, em muitos dos casos, parte do dinheiro
foi para o bolso dos dirigentes ou usado de uma forma que acabou
enriquecendo esses oligarcas da bola.
Uma das entidades envolvidas num escândalo é a Federação de
Futebol do Nepal. Uma auditoria constatou que a entidade
realizou 'movimentos inapropriados de fundos' e seu presidente,
Ganesh Thapa, passou a ser investigado. Na Fifa, nenhum aliado é
punido. Zurique enviou auditores da KPMG que sugeriram
'mudanças importantes' no funcionamento da entidade e dos
gastos com projetos sociais. Uma vez mais, a palavra corrupção
nem sequer entrou no vocabulário dos cartolas.

HUMANITÁRIO

Um dos casos mais importantes de desvio de dinheiro ocorreu com
Manilal Fernando, ex­membro do Comitê Executivo da Fifa e
chefe do futebol do Sri Lanka. Ele simplesmente teria usado
dinheiro destinado às vítimas do Tsunami na Ásia para
enriquecimento pessoal.
No Paquistão, depois de um terremoto em
2005, a Fifa também
decidiu mandar dinheiro e realizar um total de nove Projetos Goal,
inclusive em Peshawar. Dez anos depois, apenas um deles foi
inaugurado: a sede da Federação Paquistanesa de Futebol, em
Lahore.
Já o vice­presidente da Fifa até 2011 é suspeito de ter desviado
dinheiro que havia sido doado para as vítimas do terremoto no
Haiti e que deixou mais de 200 mil mortos. No dia 12 de janeiro de
2010, o país sofreu um dos piores terremotos da história, com um
impacto devastador sobre sua população. Mais de três milhões de
pessoas foram afetadas, 250 mil casas foram destruídas e 30 mil
prédios comerciais desabaram.
Dias depois, a Fifa anunciaria o envio de US$ 250 mil para ajudar
as vítimas e, em especial o futebol, também afetado pela catástrofe.
Parceiros sul­coreanos completariam a doação, que teria chegado
a quase US$ 1 milhão.
O terremoto no Haiti destruiu a Federação de Futebol do Haiti e
matou pelo menos 30 de seus integrantes entre jogadores, técnicos
e cartolas. Um dos treinadores mais famosos do país, Jean­Yves
Labaze, foi uma das vítimas do terremoto. Em 2007, conseguiu a
classificação histórica da seleção
para o Mundial Sub­17. Muitos
dos dirigentes que estavam no prédio eram jogadores da seleção
no início da década. Mas, segundo as investigações do FBI, o
dinheiro doado acabou sendo desviado pelos cartolas. Os
investigadores suspeitam que o então vice­presidente da Fifa, Jack
Warner, ficou com US$ 750 mil. Naquele momento, ele era o
presidente da Concacaf, responsável pelo Haiti.
Com isso, a Fifa chega ao fim de uma era de 17 anos sob o comando do suíço
Joseph Sepp Blatter. O dirigente entregou o cargo quatro dias depois de ser
eleito pela 5ª vez consecutiva

MINHA CASA

Na Tailândia, o chefe da
entidade local de futebol, Worawi
Makudi, usou os US$ 860 mil dados pela Fifa para o Projeto Goal
para comprar um terreno para a construção de campos. US$ 400
mil foram gastos em uma sede de três anos para que a Tailândia
tivesse, segundo a Fifa, “o espaço necessário para uma liderança
profissional”.
O que ele não contou, porém, foi que o terreno encontrado era
dele mesmo e o dinheiro acabou em suas contas. Em 2009, Blatter
ignorou qualquer polêmica e fez questão de viajar até a Tailândia
para inaugurar os campos.
Escândalos parecidos também foram registrados nos projetos Goal
em Harare, no Zimbábue. A federação local decidiu abrir
investigações depois que sua sede começou a dar sinais de franca
decadência em sua estrutura física. Isso tudo apenas dois anos
depois que o prédio foi reformado e que a entidade recebeu US$
250 mil da Fifa para a criação de um complexo esportivo, que se
chamaria Zifa Village.
A escolha de quem recebe dinheiro parece não estar baseada nas
condições das ligas ou dos países. Na All India Football Federation
(AIFF), um cheque anual é enviado pela Fifa ao organismo para
promover o futebol de base. Apenas para o Cooperage Stadium, a
Fifa enviou mais de US$ 2 milhões, numa das economias que mais
crescem no mundo e promovem um torneio hoje milionário.
Blatter não respeitou nem mesmo as resoluções do Conselho de
Segurança da ONU ou as sanções unilaterais impostas por EUA e
Europa contra ditaduras pelo mundo. Em 2011, ele fechou um
contrato para apoiar a construção de um estádio em Mianmar. O
problema é que as obras seriam tocadas pela empresa que, por
acaso, era também do presidente da Federação de Futebol de
Mianmar, o empresário Zaw Zaw.
Havia um só problema: Zaw estava na lista negra das sanções dos
governos europeus, da Suíça e dos EUA. Ou seja, não poderia
receber dinheiro ou assistência estrangeira. A Fifa respondeu:
quem estava na lista negra era Zaw, não o futebol de Mianmar.
Questionada sobre quem teria recebido o dinheiro, a Fifa também
manteve sigilo. “Os detalhes do contrato são confidenciais”.
Dentro e fora da Fifa, não são poucos os que por anos já
denunciam o sistema, como uma campanha permanente de
Blatter por votos. Em 2002, o ex­braço direito do suíço, Michel
Zen Ruffinen, preparou um informe aos membros da Fifa
denunciando o esquema. “O presidente usou e abusou dos projetos
Goal para seus interesses pessoais e os serviu como o meio para
fazer campanha”, escreveu o então secretário­geral. Dias depois,
ele seria demitido.
Em Lusaka, capital da Zâmbia, o ex­presidente da Federação de
Futebol da Zâmbia, Simataa Simataa, concedeu na semana
passada uma entrevista no mesmo tom a jornais ingleses. “Uma
boa ideia está sendo usada contra os princípios da democracia”,
disse. “As pessoas tendem a favorecer qualquer um que esteja
fazendo algo bom. Eles aceitariam receber casas de Pablo Escobar
usando dinheiro das drogas. Lamentavelmente, isso é o que o
Projeto Goal se transformou”, declarou. “Eu esperava que esse
fosse um projeto institucional. Mas ele favorece Blatter. Isso lhe dá
vantagens e todos pensam que, se um novo candidato vier, não
haverá mais projetos Goal”, completou.
Já em Trinidad e Tobago, a federação local resolveu de forma
relativamente simples seus problemas com eventuais escândalos
envolvendo a construção de um centro de treinamento financiado
pela Fifa: impediu a entrada de jornalistas. O local, que custou
US$ 22 milhões, é mais usado hoje para casamentos e reuniões de
partidos políticos que para o futebol.
Em 2012, uma auditoria realizada pela Concacaf mostrou que o
local não estava registrado no nome da Federação de Futebol de
Trinidad e Tobago, mas sim de Jack Warner, indiciado pelo FBI
por corrupção em maio. Ele era vice­presidente da Fifa e, até 2011,
um dos maiores aliados de Blatter. Não por acaso, uma das salas
para cinco mil pessoas no centro esportivo ganhou um nome de
um velho amigo: Joseph Blatter.


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