Pesquisa de ponta: Phillips chefia o grupo de biotecnologia que quer entender a célula ( foto: Divulgação Microsoft)
Os mundos da computação e da medicina parecem bastante distantes entre si. Executivos de tecnologia, envolvidos com os seus processadores, servidores, softwares e aplicativos de celular, em nada se parecem com médicos, que ainda são lembrados pela figura do profissional vestido de jaleco branco, carregando um estetoscópio e bisturis. Mas esses dois profissionais e o conhecimento que acumulam podem ter mais similaridades do que o imaginado. Aos poucos, os dois mundos estão se aproximando e podem combinar conhecimentos. Se depender da Microsoft, essa realidade vai chegar antes do esperado.
A empresa divulgou que está se dedicando a jogar luzes em uma das doenças que mais preocupam médicos e pacientes, e que afeta cada vez mais famílias de todo o mundo. Equipes de cientistas da companhia estão se dedicando ao que chamam de “solucionar” o câncer. O uso do verbo é importante. A Microsoft não pretende “curar” a doença, mas dar subsídios para os médicos entenderem melhor como a imensa quantidade de variações de tumores se comporta e escolher o tratamento adequado. O objetivo, explica a companhia, é trazer uma abordagem computacional ao problema: fazer a programação de dados biológicos como se fosse um software.
Isso significa utilizar a lógica dos zeros e uns da linguagem binária para encontrar soluções no mundo das letras A, T, G e C que representam as bases nitrogenadas do DNA. “Se olharmos para a combinação de coisas que a Microsoft realiza bem, faz todo sentido para a empresa estar nesse setor”, disse, em comunicado da empresa, Andrew Phillips, o chefe do grupo de pesquisas de computação biológica da Microsoft, em Cambridge, no Reino Unido. São várias as abordagens possíveis. Uma delas, mais distante, é criar um minicomputador molecular que vai ficar dentro de uma célula e monitorar as doenças em desenvolvimento. Qualquer alteração perigosa pode ser combatida prontamente.
A segunda solução envolve a análise de dados, adotando máquinas com sistemas de inteligência artificial para interpretar informações novas disponíveis sobre a reprodução celular. Outra abordagem prevê o uso de processos como o desenvolvimento de linguagens de programação e modelos de checagem comuns nos computadores para ler e alterar processos biológicos. “Nós construímos o computador. Sabemos como ele funciona. Não construímos a célula, e muito do seu complexo funcionamento interno ainda é um mistério para nós”, diz Phillips. “Então, precisamos entender como a célula computa, para poder programá-la. Vamos poder, dessa forma, desenvolver métodos e software para analisar e programar células.”
Todas essas utilizações representam um grande avanço em relação às formas de se tratar o câncer num passado não muito distante. Há apenas uma década, os médicos escolhiam os seus tratamentos de acordo com o tecido afetado. Um tumor cerebral merecia um tratamento diferente de um câncer de pulmão, por exemplo. Hoje, os biólogos e a indústria de medicamentos defendem que é mais importante atacar o câncer de acordo com o seu comportamento genômico, e entender o que deu errado na reprodução dos genes. Para descobrir isso, a tecnologia não é tão diferente de um software que identifica objetos em uma foto.
Só é mais complexa, exigindo organizar milhões de peças de informação. A Microsoft, inclusive, fez uma parceria com a farmacêutica AstraZeneca para entender a relação entre a aplicação de remédios e a resistência de pacientes em casos de leucemia mieloide, que pode servir de aprendizado para outras aplicações de medicamentos. A estratégia de se aproximar da biologia faz parte do plano de Satya Nadella, o CEO da Microsoft desde 2014, que acredita que a empresa de US$ 85 bilhões de faturamento precisa se preparar para um futuro além da dependência dos softwares Windows e Office.
A relação entre computação e biologia chamou a atenção da comunidade acadêmica quando pesquisadores da Universidade de Stanford na Califórnia apresentaram em 2012 o primeiro modelo computacional completo de um organismo, do parasita Mycoplasma genitalium. Ele resolvia um grande problema da genética. A quantidade massiva de dados não podia ser entendida sem que fosse concentrada num único sistema. Mas, mesmo antes disso, a Microsoft já percebia similaridades entre os dois mundos.
Ainda na época do cofundador Bill Gates como presidente do conselho, na década passada, a companhia já aplicava os aprendizados no combate aos spams que infestavam as caixas de email das pessoas, na época, para prever as mutações que o vírus HIV podia sofrer. No futuro, todo esse conhecimento deve mudar não só a medicina, mas também a computação. Algumas previsões de futurólogos imaginam que o computador das próximas décadas não serão baseados no silício, mas em material orgânico. E até mesmo o DNA pode ser utilizado como a base de um novo método de armazenagem de dados, no lugar do hardware atual. Chegar lá logo pode salvar muitas pessoas e também a própria Microsoft.
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